quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Análise: Além das Montanhas (Dupa Dealuri, 2012)




Direção: Cristian Mungiu
Roteiro: Cristian Mungiu
Elenco: Cosmina Stratan, Cristina Flutur,Valeriu Andriuta
Duração: 150 minutos
Gênero: Drama
País: Romênia
Idioma: Romeno
Resumo: A história é centrada na amizade de duas jovens mulheres que cresceram no mesmo orfanato. Voichita encontrou refúgio em um convento, enquanto Alina foi morar na Alemanha e agora volta à Romênia para tentar levar a amiga consigo.

 
 
Alina (Cristina Flutur) e Voichita (Cosmina Stratan) estão sentadas em um quarto do convento no qual esta última é freira. Elas conversam sobre o tempo que passaram juntas em um orfanato e sobre os caminhos que levaram na vida. Alina pede a Voichita que retorne à Alemanha com ela. A relação que as duas já tiveram nunca é explicada – apesar de algumas nuances apenas sugerirem algo ocorrido no passado -, e essa é uma das grandes belezas de “Além das Montanhas”, pois o roteiro sugere muitas coisas, sendo que nem todas são explicadas, deixando ao público a tarefa de decifrá-las.


 
 
A história se inicia com Alina chegando à Romênia para buscar Voichita e levá-la para a Alemanha. No entanto, esta precisa de autorização do Padre (Valeriu Andriuta) para que possa sair do convento. Quando o padre diz a Voichita que ela jamais poderá retornar a este lugar se for embora, a personagem começa a questionar se realmente essa é a decisão certa a ser tomada, pois crê que encontrou o verdadeiro amor no convento, o amor de Deus. Enquanto vamos acompanhando o sofrimento e dúvida de Voichita, Alina também passa pelos seus próprios sofrimentos, e junto a isso, Mungiu nos mostra um pouco mais sobre o dia a dia desse convento, que é totalmente arcaico, não possuindo luz elétrica e tendo a água retirada de poços.

 
Interessante notar que o diretor nos mostra o lugar a partir de uma visão imparcial, com total ausência de julgamentos, se abstendo opinar – ou levar o público a concluir - se os fatos lá ocorridos são certos ou errados. Porém, o mesmo tratamento não é dado às instituições governamentais apresentadas no decorrer do filme, pois estas são mostradas de maneira totalmente caricata. Como exemplo, temos médicos tratando pacientes de maneira irônica e agentes de imigração que desdenham da situação de quem procura seus serviços. Inclusive, uma visão parecida com a de Mungiu sobre o sistema de saúde romeno foi retratada recentemente no filme “A Morte do Senhor Lazarescu”, de Cristi Puiu.

 
Além de todas as nuances e interpretações que a história de “Além das Montanhas” oferece, existem dois pontos que merecem grande destaque: a direção de Cristian Mungiu e a atuação da dupla principal. O primeiro nos coloca dentro do convento de uma maneira dolorosamente realista. Junto ao diretor de fotografia, Oleg Mutu (que trabalhou com Mungiu em “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”), Mungiu consegue retratar o lugar de maneira sombria, deixando a escuridão dominar o lugar na maior parte do tempo, passando uma sensação de tristeza e melancolia. Para fazer o espectador mergulhar profundamente no filme, o diretor usa seus takes de maneira não-convencional, abolindo totalmente o uso do corriqueiro “plano-contraplano” (em que a câmera foca o rosto dos personagens que estão participando da conversa, cortando constantemente para o que está falando), de modo que a câmera nunca corta dentro de uma mesma cena, gerando sempre longos planos-sequência. Isso dá ao filme um tom de documentário, sendo que, em cada cena, a impressão que temos é a de estar junto aos personagens nesse cenário, só que como testemunhas silenciosas, obrigadas a presenciar tudo que está acontecendo ali e incapacitadas de fazer qualquer coisa para ajudar.

 
As atuações mereceriam uma análise à parte. Chega a impressionar o quanto conseguimos acreditar em Alina e Voichita. Ambas foram premiadas com o troféu de melhor atuação em Cannes, e, de fato, as atuações são inacreditáveis. Cosmina passa muito bem a sensação de sofrimento do personagem, e, apesar de não ser uma freira na vida real, ela se sai perfeitamente como uma. Cristina Flutur constrói Alina de forma brilhante, sendo que, desde a primeira cena do filme, a atriz consegue mostrar o quanto sua personagem precisa de Voichita e o quanto ela sofre por ver a dúvida da amiga sobre ir embora ou não.  As atrizes merecem ainda ser elogiadas pelo fato mostrado anteriormente, de todas as cenas serem filmadas sem cortes em sua totalidade. Isso acaba exigindo muito mais delas, pois estas não podem confiar em cortes da câmera para disfarçar algum suposto erro ou esquecimento de falas, de modo que tudo deve ser feito em sintonia perfeita com o planejado pelo diretor. 

 
E o fato curioso é que as duas nunca haviam atuado anteriormente, e mais um acerto de Mungiu se concretiza aqui, pois, por escolher rostos desconhecidos, ele consegue fazer com que o público as veja de maneira neutra, sem fazer associações com papéis anteriores. Após “4 Meses, 3 Semanas e 2 dias”, premiado com a Palma de Ouro em Cannes, tivemos de aguardar cinco anos por um novo filme de Cristian Mungiu, e a espera foi totalmente recompensada com essa obra difícil e desafiadora, mas impecável dentro do que se propõe. É uma pena que o ele tenha ficado de fora da disputa final para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas isso não diminui as suas qualidades, pois não deve nada aos que foram indicados. 

 



Clique no botão abaixo para ver o trailer do filme: 

Um comentário:

  1. Já estou seguindo de volta =)
    Excelente quinta!
    Beijinhos ;*

    http://bycarolinaa.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir